O cantor, compositor e guitarrista Jackie Lomax, cujos 50 anos de carreira incluiu sessões com Eric Clapton e os membros dos Beatles, faleceu ontem, 16 de setembro de 2013, aos 69 anos de idade.
Sem conseguir fazer sucesso ao longo de sua carreira nos anos 70, 80, 90 e além, sua história e toda trajetória artística é contada a seguir, neste excelente texto de Rubens Stone.
Jackie Lomax, o grande artista que nunca conheceu o sucesso.
Lembrado largamente por ser o primeiro artista contratado pelo selo Apple Records, a gravadora dos Beatles, Jackie Lomax foi o clássico exemplo do artista talentoso que jamais conseguiu vender. Excelente intérprete de soul e rhythm & blues, entre os ingleses brancos ele é, segundo alguns, comparável apenas a Steve Winwood, embora não tenha, nem de perto, o mesmo reconhecimento.
Jackie Lomax nasceu em 10 de maio de 1944 em Wallasey, localizado no outro lado do rio Mersey em Liverpool. Se interessou pelo violão graças à moda do skiffle, como tantos garotos ingleses daquela geração. No inicio da década de sessenta se tornou guitarrista de uma banda de Wallasey chamada Dee & the Dynamites.
Em janeiro de 1962, se uniu ao the Undertakers, outra banda de Wallasey, porém, um grupo bem mais famoso localmente. Nos Undertakers, Lomax teve que se contentar em ser baixista antes de assumir os vocais quando o cantor principal saiu do grupo. Sua voz lhe conferiu fama de excelente cantor de soul e rhythm & blues, pontos fortes do repertório da banda. Não demorou muito para a boa fama das apresentações dos Undertakers ficar ainda melhor, se tornando uma das cinco melhores bandas da região.
Quando os Beatles se tornaram uma mania internacional, um mercado para bandas de Liverpool naturalmente se abriu e os Undertakers acabaram contratados pela gravadora Pye Records em 1963. Infelizmente a relação entre a gravadora e a banda não foi das mais harmoniosas, e os Undertakers a lançaram somente quatro compactos dentro do prazo de um ano em que estiveram sob contrato com a Pye. Os quatro compactos foram verdadeiros fracassos de vendas.
Livres da gravadora, toda a banda menos um guitarrista se mudou para os Estados Unidos no final de ‘64, atrás de um anúncio que oferecia emprego para bandas inglesas. A proposta era do empresário Bob Harvey, com quem assinaram um contrato juntamente com outra banda inglesa que respondeu ao anúncio, The Pete Best Combo.
Harvey acabou se mostrando mais interessado em vender Pete Best com seu status de ex-Beatles, deixando os Undertakers tocando em lugares menos nobres e por dinheiro ínfimo. Passaram por sérias dificuldades financeiras, e para complicar, um belo dia foram a abandonados pelo empresário, em plena temporada de apresentações na cidade de Montreal, no Canadá.
Voltaram para Manhattan, onde moravam em um estúdio junto com os músicos do Pete Best Combo. Para se manterem financeiramente, gravavam para outros artistas e faziam alguns shows à noite. Com o tempo ocioso acabaram gravando material para um álbum inteiro. Deste, apenas um compacto “I Fell In Love” com “Throw Your Love Away Girl”, acabou saindo em ‘65, lançado pelo selo Black Watch. Este lado B é o primeiro trabalho que se conhece que inclui uma composição de Jackie Lomax. O compacto, para não fugir à regra, foi totalmente ignorado pelo público americano. Desiludidos, a banda se desfez, metade voltando para a Inglaterra e metade permanecendo nos Estados Unidos.
Lomax continuou na América, batalhando por uma carreira artística, até que encontrou o empresário Bugs Pemberton, que lhe arrumou trabalho em uma banda de Queens chamada The Mersey Lads. Logo que trouxe Lomax para a banda, Pemberton abandonou o Mersey Lads e se juntou a outra banda chamada The Lost Souls, cujo repertório era largamente influenciado nos Beatles.
Pemberton chamou Lomax para integrar essa nova banda. Com a chegada de Lomax, sua criatividade e energia fizeram com que o Lost Soul mudasse todo o repertório do grupo, transformando o que era uma banda de rock imitação dos Beatles em uma autêntica banda branca de soul e rhythm & blues. Com a nova direção musical, era natural que surgisse um novo nome para o grupo: The Lomax Alliance. O quarteto compreendia além de Jackie e Bugs, dois americanos, John Canning e Tom Caccetta nas guitarras.
Quando os Beatles vieram tocar no Shea Stadium, sendo de Liverpool e tendo feito parte da mesma cena musical que os Beatles, Lomax teve pleno acesso ao grupo. Depois do show, voltou com eles ao Warwick Hotel e conversou com os rapazes sobre sua situação. Depois Epstein pediu que ele o procurasse em Londres.
Jackie Lomax então voltou para Londres e com uma pequena ajuda de Cilla Black conseguiu estabelecer um contato com Brian Epstein. Conhecendo seu talento desde os tempos dos Undertakers, Epstein queria tratar de um contrato somente com Jackie. Lomax, porém, fez questão que Epstein ouvisse suas fitas com toda a banda.
Impressionado tanto com a qualidade das canções como com a da banda, Brian Epstein conseguiu intermediar um contrato com a Columbia Records para o grupo gravar seu primeiro álbum. Nos planos de Epstein, incluía também uma apresentação no Saville Theatre para promover a banda e o disco. Algumas canções já estavam prontas, haviam sido gravadas na América com a assistência de Roy Halee, que já trabalhara com Bob Dylan, The Byrds, entre outros.
Em Londres, nos estúdios da Columbia, trabalharam com Dave Siddle que já tinha uma carreira com the Animals, Donovan, etc. Ainda em 1967 foi lançado na Inglaterra o primeiro compacto do Lomax Alliance, “Try As You May” / “See The People”, que apesar da força investida por Epstein, não teve boa vendagem.
Ainda assim havia bastante positivismo no ar com a preparação do primeiro álbum, porém, quando tudo finalmente parecia se encaminhar, Brian Epstein morre. Com sua morte houve toda uma nova situação e uma reavaliação dos compromissos. Apesar de existir material mais do que suficiente para um álbum, a Columbia cancelou o projeto. Robert Stigwood, que herdou o contrato do grupo, estava dedicando-se mais aos Bee Gees e deixou o Lomax Alliance à deriva.
The Lomax Alliance voltou para os Estados Unidos, porém não demorou muito e Jackie Lomax deixou o grupo, voltando outra vez para Londres. O trio então passou a se chamar One, lançando nos Estados Unidos outro compacto com material da recente sessão. “Hey Taxi”, uma composição da dupla Lomax e Cannon, acompanhado por “Enter Into My World”, apesar de se tratar de The Lomax Alliance, tendo Jackie Lomax cantando e tocando nos dois lados, é lançado pela CBS como sendo da banda One, o novo nome do trio que restou.
Enquanto isto, em Londres, Stigwood arranjou uma nova sessão de gravação que culminou com o compacto “Genuine Imitation Life”, composião de Lomax e “One Minute Woman”, composição dos irmãos Gibb. O compacto saiu em outubro de ‘67 e como os demais trabalhos, foi ignorado pelo mercado. Lomax ainda conseguiu gravar uma terceira faixa, “Honey Machine” com uma banda creditada como The Lomax All-Stars que provavelmente era o lado B originalmente intencionado por Lomax para seu compacto. Para variar, essa canção também não pegou.
Ao final do ano, Jackie Lomax procurou John Lennon que lhe sugeriu que ele gravasse em dois canais o material novo que tivesse e levasse até a Apple Publishing, que ficava acima da Apple Boutique. Foi o que ele fez, e perto do ano novo, George Harrison lhe telefonou comunicando que ele leu as letras e ouviu as canções e estaria interessado em produzi-lo depois dele voltar de um retiro espiritual com os demais Beatles na Índia.
Com a volta dos Beatles da Índia nasceu a Apple Corps, e nela residiu a mais nova gravadora com escritórios em Londres e Nova York, a Apple Records. Jackie Lomax assinou com a Apple, passando a ser o primeiro artista oficialmente contratado pelo selo. Com a assistência de George Harrison, passou parte do verão de 1968 gravando seu novo álbum. No mesmo período, os Beatles estavam gravando o “Álbum Branco” e Lomax foi convidado a fazer vocais de fundo em “Dear Prudence.”
Em setembro, sai “Sour Milk Sea”, literalmente o terceiro compacto da gravadora (“Hey Jude” e “Those Were The Days” o antecederam), tornando-se também o primeiro compacto da gravadora a fracassar nas paradas de sucesso.
Era o estigma de Jackie Lomax, não fazer sucesso. A canção, composta por George Harrison, foi gravada com os Beatles, menos John Lennon, como banda, mais Eric Clapton e Nicky Hopkins. Seu primeiro álbum solo a ser de fato lançado, “Is This What You Want?” chegou as lojas em janeiro de ’69.
O álbum tem uma seleção de músicos convidados de fazer inveja a qualquer um. Entre outros músicos mais conhecidos estão George Harrison e Eric Clapton como dupla de guitarras, Nicky Hopkins no piano, Billy Preston no órgão, Paul McCartney no baixo e Ringo Starr na bateria. Outros músicos nas sessões incluem Klaus Voorman no baixo e Hal Blaine na bateria. Apesar de muita expectativa cercando o álbum pela mídia, o disco só confirmou o karma de Lomax, foi um retumbante fracasso de vendas.
McCartney também produziria mais duas faixas para um novo single de Lomax, “Thumbin’ A Ride”, velho hit dos Coasters e “Going Back To Liverpool”, esta segunda acabando de fora. Nela temos Jackie no baixo e Paul na bateria, mais George na guitarra e Billy Preston nos teclados. Outra faixa, “New Day”, sem maiores celebridades, seria produzido por Mal Evans e o próprio Jackie Lomax.
A Apple iria ainda lançar outros três compactos, todavia Lomax jamais iria conseguir um hit com a gravadora, o que foi uma surpresa para todos os Beatles envolvidos no projeto. Como já dito antes, era o karma do homem.
Para se fazer justiça ao artista, o álbum foi muito mal promovido pela gravadora. Jackie ainda participaria do disco de Doris Troy, outro artista do selo Apple, fazendo vários vocais de fundo. Com a Apple Records em crise e Allen Klein assumindo controle, Jackie Lomax deixou a gravadora, se associando à banda de hard blues Heavy Jelly. Nela ficou apenas alguns meses, o tempo suficiente para escrever e gravar um álbum inteiro, o terceiro em sua carreira que não chegaria a ser lançado. Quem sabe, um dia esse material chegue a ser lançado.
Lomax ainda em ‘70, se juntou a outra banda desta vez de hard rock, chamada Balls, uma união sem muito impacto na sua carreira. Algumas biografias procuram negar que ele tenha participado desta banda. Em todo caso, Jackie acabou por voltar aos Estados Unidos, optando por morar no campo, na cidade de Woodstock.
Nessa época, gravou uma pequena participação no álbum de estreia de Jesse Ed Davis e assinou um contrato com a Warner Bros Records. Começou então a preparar material para um novo álbum, intitulado “Home Is in My Head”. O disco contava novamente com a assistência dos ex-Lomax Alliance Tony Caccetta no baixo e Bugs Pemberton na bateria. Considerado por muitos como seu melhor trabalho, este disco provou que Jackie Lomax podia montar um ótimo trabalho sem a necessidade de ter acompanhando-o um elenco de estrelas. Mas… não é preciso dizer que o grande publico ignorou totalmente este novo trabalho.
No ano seguinte, seu terceiro álbum, apropriadamente chamado “Three”, continuou sem vender. Estranho considerando que este, como em seu primeiro disco gravado pela Apple, tem excelentes músicas, todas bem interpretadas por Lomax e a banda é da melhor qualidade. Entre os convidados há membros do The Band em duas faixas, “Hellfire” e “Night-Crier”. A Warner Brothers ainda gastou um dinheiro promovendo o álbum, distribuindo para a imprensa um disco de entrevistas com Lomax. Apesar de receber críticas favoráveis, o disco nada vendeu. Normal.
Desanimado com o mercado americano, Lomax volta de novo para Londres, a tempo de se juntar à banda Badger do ex-Yes Tony Kaye. Sua influência sobre a banda transformou este ótimo grupo de rock progressivo em uma excelente banda de soul e rhythm & blues. A banda, que já tinha gravado um álbum, não tinha nenhum material para um segundo disco e acabou meio que se tornando um veículo para Lomax encaixar suas canções, de forma que o disco que lançaram acabou soando muito mais como uma continuação de “Three” do que o rock progressivo encontrado no primeiro disco.
Lançado em 1974 com o título de “White Lady”, inacreditavelmente (será?) foi totalmente ignorado por crítica e público, apesar de novamente oferecer um produto final de qualidade. Em total convulsão, por causa da repentina mudança de direção artística, o Badger acaba pouco depois que o disco chega as lojas.
No início de 1975, Lomax acaba assinando com a Capitol Records, que lhe contrata para dois discos solos. Sai então, em 1976, o disco “Livin’ for Lovin’” que conta novamente com seu velho amigo Bugs Pemberton. O disco mantém o alto nível da maioria dos trabalhos de Lomax, mas como em outras ocasiões, nada vendeu.
No ano seguinte, 1977, Lomax lança seu próximo álbum pela gravadora, “Did You Ever Have That Feeling?” A capa traz um desenho de Klaus Voorman e conta com músicos de estúdio do quilate de Jim Price e Steve Madaio nos sopros, mais Max Middelton nos teclados. Apesar de ser um disco agradável, também não vendeu nada e a Capitol, a essa altura, desiludida com o artista, não se interessou em renovar o contrato.
Jackie ficou os próximos três anos sem contrato e sem gravar até conseguir participar do álbum “Foolish Behavior” de Rod Stewart, em 1980. Contudo, a esta altura já existiam outras prioridades em sua mente. Após sofrer um acidente de carro que quase deixou sua esposa paralisada, Jackie deixou de lado sua carreira artística para passar mais tempo em casa cuidando dela. Ao final da década de oitenta, ele se muda para Ojai em Ventura County, California.
Durante a década de noventa, Jackie Lomax apareceu mais vezes, agora sempre na guitarra tocando nos arredores de Los Angeles. Logo em 1992, ele entrou novamente num estúdio para participar do disco de Tamiya Lynn, gravando slide guitar para o álbum.
Fez uma série de apresentações como baixista para bandas que ele admirava na adolescência como The Drifters, The Diamonds, The Coasters e The Shirelles, em diferentes ocasiões.
Durante este período, Lomax abandonou seu lado soul e passou a explorar mais o blues. Em 1997, Jackie emprestou sua voz para o primeiro disco solo de Michael Bruce, que ele havia gravado originalmente em 1974, recém saído do Alice Cooper Band, mas que só agora, na era do CD, seria lançado, com alguns vocais adicionais, incluindo aí a participação de Lomax.
Jackie depois passou a se apresentar esporadicamente com bandas avulsas com as mais variadas formações. Entre músicos mais conhecidos com quem Lomax tocou na década de 90 estão Mick Taylor, Terry Reid, Brian Auger e Jack Lancaster.
Em 1999, ele se associou ao Ashford Gordon Band, cuja formação incluía Ashford Gordon na guitarra e vocais, Jackie Lomax no slide guitar, Orest Balaban no baixo, Dynamic Dave Stewart na bateria, e Hippie Mark no Blues Harp.
Um álbum saiu desta associação, “Somewhere Down The Line” lançado em dezembro do ano 2000. E no ano seguinte, Jackie Lomax acaba por lançar o seu primeiro disco desde a década de setenta, “The Ballad of Liverpool Slim”. O disco contou com distribuição exclusiva pela internet. O repertório deste último álbum do grande Jackie Lomax é dentro do estilo que ele melhor dominou, o soul e rhythm & blues.
Por rstone
Comunidades: MC & JG e We Love the Beatles Forever
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