Tive a grata satisfação de receber um E.mail do ícone do Rádio e da TV, a lenda viva da pré-Jovem Guarda, o comunicador Antonio Aguillar, que me disse: “Lucinha, você está disposta a escrever sobre as bandas que foram ajudadas por mim? Então vamos lá…”
Desta forma, tenho a honra e o prazer de compartilhar aqui, a história das bandas de rock lançadas por Antônio Aguillar, contada por ele mesmo!
Iniciando no tempo das grandes orquestras e conjuntos regionais dos anos 50/60
Em 1957 quando fui para o rádio (Radio Nove de Julho, de propriedade do clero) na Rua Wenceslau Braz, 79, minha função era jornalística – redigir boletins informativos para o colega Joelmir Betting divulgar de hora em hora.
Aos sábados existia um programa de calouros, que era apresentado pelo musico Mauro Silva no palco dessa emissora. Ele tocava clarinete. Devido a algum mal entendido, ele deixou a emissora e o discotecário achou por bem me convidar para dar continuidade a aquele programa que tinha uma boa audiência.
Depois de apresentar uns quatro programas, senti que estava apto a continuar no esquema e esse programa tinha o Atílio e Seu Regional para acompanhar os calouros. Depois de um ano nessa programação, resolvi aceitar o convite do radialista Paulo Rogério para integrar o cast da Organização Victor Costa (1959) que tinha no comando a Rádio Nacional de S.Paulo e a Radio Excelsior, além da TV Paulista Canal 5. Funcionava na Rua das Palmeiras, 315 e 322, com auditório de rádio na Rua Sebastião Pereira (não me lembro o numero, sei que é onde passa o minhocão no Largo do Arouche). Fui ser locutor comercial (naquele tempo não havia os chamados jingles) ao vivo para fazer a propaganda dos anunciantes. Depois de quase um ano nessa atividade, paralelamente fui convidado pelo Diretor Sr. Francisco Abreu para fazer um programa de rádio, na Radio Nacional, denominado Melodias Sandar, onde teria que divulgar musicas com a orquestra de Ray Conniff. Ai conheci alguns rapazes, Aladim, Mingo, Siwal , Tony e Foguinho, que pertenciam a um conjunto denominado banda de rock. Esse ritmo estava fazendo muito sucesso lá fora, principalmente nos Estados Unidos com Elvis Presley, Chuck Barry, The Ventures, e outros. The Jordans, a banda do Aladim, tinha gravado um 78 rpm na Rosemblit com as músicas Budha e Change or Mind, esta com a vocalização feita pelo Mingo. Eles me pediam para tocar o disco no programa e acabei fazendo uma grande amizade com eles. No decorrer do tempo, o Moreira Junior, que fazia diariamente um programa denominado Ritmos para a Juventude, onde divulgava o rock n roll, acabou pedindo demissão e deixou a Radio Nacional de S.Paulo para ir trabalhar nas Paginas Amarelas para ganhar mais dinheiro, vendendo anuncio. O Diretor Francisco Abreu então me convocou para fazer o programa e eu já tinha alguns subsídios para isso, porque tinha, através dos Jordans, entrado em contato com alguns cantores de rock e baladas. Como a Radio Nacional tinha um grande auditório, onde trabalhavam o Manoel de Nobrega e o Nelson de Oliveira, eu resolvi falar com a direção se poderia fazer um programa semanal com o mesmo nome do programa Ritmos para a Juventude. Aceito, comecei a apresentar sábado ao vivo no auditório esse programa que rapidamente entrou na preferencia popular. Como ainda não existia um conjunto para acompanhar os cantores que se apresentavam no programa ao vivo, recorri ao Atilio e Seu Regional que fazia a primeira parte e aos Jordans, que faziam a 2ª parte do programa, que tinha inicio às 15h e terminava às 17h.
O auditório ficava lotado de jovens e senhores e senhoras também. Era uma loucura… No decorrer do tempo já tínhamos ali outros grupos musicais, como Jerry Jeferson e seus Night and Days, Os vampiros (The Vampires), que mais tarde ficou The Jet Black`s. O sucesso era tanto que a TV Paulista resolveu lançá-lo na televisão da Rua das Palmeiras 322. Era uma terça feira à noite a estreia do programa. Estavam lá Tony Campello, Ronnie Cord, George Freedman, Hamilton Di Giorgio, Prini Lorez, Nilton Cesar, Carlos Gonzaga, Moacyr Franco, Demétrius, Alcely Camargo e os grupos musicais The Jordans e The Jet Black`s. O ensaio foi no 4º. Andar onde estava a minha sala de trabalho. Na hora do programa, todos pegaram o elevador que transportava cenário (não suportava carga muito pesada, porque cenários eram cargas leves) e o mesmo despencou desde o 4º andar até as molas, no térreo. Foi um alvoroço. Todos foram parar no pronto socorro, mas nada grave. George Freedman ainda se lembra de ter dito aos colegas que soltassem o corpo, deixassem o corpo mole para amortecer a queda, e foi ele o que menos se feriu. O programa estreou com todos muito tensos e nervosos, mas assim mesmo receberam os aplausos da plateia (auditório lotado) e tivemos mais audições na semana, com a promessa de continuarmos por muito tempo. Mas nesse meio tempo, a produção da TV Excelsior canal 9, que tinha maior repercussão em termos de audiência e grande alcance em suas imagens, convidou-me para apresentar no show do meio dia, que era um programa diário com auditório sempre lotado pelas pessoas que na hora do almoço, aproveitavam para fazer hora e iam assistir aos programas atraentes do Show do Meio Dia. Ao estrearmos, numa 3ª. feira, com a tamanha divulgação, a fila para entrar era enorme e não cabia todo mundo no auditório do Teatro Cultura Artística, utilizado pela TV Excelsior na Rua Nestor Pestana, 196 – Centro de São Paulo. Formou um tumulto em frente a TV Excelsior, que acabaram quebrando o vidro das portas frontais, só voltando ao normal com a presença da Radio Patrulha no local.
Em vista de tudo o que aconteceu, fui convidado para fazer o meu programa aos domingos, das 18h às 19h, naquele mesmo auditório e assim, com a distribuição de convites só entrariam os de posses desses convites. Quem fosse assistir ao Festival da Juventude teria que levar 5 tampinhas do produto Cerejinha, que era o patrocinador do programa. O que choveu de tampinha na TV Excelsior, foi uma coisa fora do comum. O programa fez muito sucesso com a presença agora do Roberto Carlos também, que tinha vindo do Rio de Janeiro para conseguir o estrelato em São Paulo, considerada a cidade celeiro dos artistas. Quem tivesse talento e quisesse fazer sucesso, teria que morar em São Paulo e se apresentar nos programas do Antonio Aguillar, tanto de radio como de televisão. Nessa TV lancei o conjunto musical The Clevers, que gravou em agosto de 1963 um 78 rpm, com as musicas África e Relicário, alcançando as paradas de sucessos com a musica El Relicário. Em novembro desse mesmo ano eles gravaram um compacto simples com as musicas El Novilhero e Maria Cristina, mas em outubro já estavam preparando o LP “Encontro com The Clevers” e o El Relicário era o carro chefe do disco.
Foto do disco pertencente a Oscar Fornari
Em Janeiro de 1964 gravaram Jailouse e Veneno num compacto simples, mas em Fevereiro desse mesmo ano de 1964 a gravadora extraiu do LP um compacto duplo com as musicas mais cotadas, que eram El Relicário, África, Maria Cristina e Candy Dance; ainda em 1964 foi lançado o LP “OS INCRIVEIS THE CLEVERS” e em 1965, o LP “DANÇANDO COM THE CLEVERS” e o LP “INCRIVEIS VOL. 3”. Em 1967, já na RCA e com o nome Os Incríveis, lançaram o compacto com a música “ERA UM GAROTO QUE COMO EU AMAVA OS BEATLES E OS ROLLING STONES”.
Na TV Record existia no mesmo horário do Festival da Juventude, o programa Ginkana Kibon, que era de grande audiência. Na época consegui derrubar a audiência desse programa, que era apresentado pela Clarice Amaral e Vicente Leporace, com produção de Durval de Souza.
Foi então que o dono da TV Record, Paulinho Machado de Carvalho, foi até a mim e convidou-me para estrear um programa no Teatro Record, palco de grandes atrações, pois alí já havia desfilado Paul Anka, Neil Sedaka, Brenda Lee e muitos artistas internacionais. Aceitei o convite e fui com todos os meus artistas para o Teatro Record e lancei o Reino da Juventude. Não deu outra: consegui grande audiência e o programa da TV Excelsior ficou nas mãos de Ademar Dutra, que perdeu alguns pontos no IBOPE, fazendo com que o Ginkana Kibon voltasse a liderar a audiência.
No Teatro Record, participavam do Reino da Juventude: Demétrius, Ronnie Cord, Roberto Carlos, Wanderléa, Erasmo Carlos, Marcos Roberto, The Jet Black`s, The Jordans, Giani, Joelma. Uma vez que os Jet Black`s e Jordans tinham muitos compromissos de shows e trabalhavam na Boate Lancaster, não podiam se dedicar ao programa Reino da Juventude, então fui obrigado a pensar num novo grupo musical. Nesse meio tempo, sabedores disso, Neno, Mingo e Manito foram até a Radio Nacional e me disseram que estavam deixando o The Jordans e que gostariam de integrar o novo grupo a ser formado pelo “disc-jockey da juventude feliz e sadia”. Eu tinha em minha mesa um dicionário inglês / português e folheando aquele exemplar, achei um nome sugestivo para o novo grupo: CLEVERS.
Submeti o nome aos rapazes para aprovação, e eles acharam interessante porque em português queria dizer hábeis, astutos. Uma vez escolhido o nome (era moda naquele tempo colocar nome americano em grupos musicais, por influencia dos Ventures e outros) e eu teria que registrar a patente. Consultei os rapazes sobre isso e eles foram unanimes em dizer que seria interessante que a sigla fosse registrada em meu nome, Antonio Aguillar, para segurança do grupo. Aquele que criasse um caso e saísse do grupo perderia todo e qualquer direito. Assim foi feito e eu procurei uma empresa especializada e registrei a marca THE CLEVERS, conforme combinado. Depois o Neno indicou o Luizinho de Itariri para integrar o grupo e este veio ensaiar na minha sala no 4º andar da Organização Victor Costa, com uma bateria novinha. Perguntei a ele como havia conseguido aquele instrumento musical zerinho. Ele me disse que fora um presente do avô para incentivá-lo para a musica. Na verdade, Luiz Franco Thomaz não sabia tocar direito e o Manito acabou dando umas aulas a ele e assim ele foi se familiarizando mais com o instrumento. Como percebi a grande vontade dele em tocar, acabei batizando-o de “NETINHO”, em homenagem a seu avô, que lhe presenteara com a bateria. A principio ele não gostou, mas eu disse que era uma homenagem ao seu avô, que queria vê-lo um grande musico. Até hoje ele usa esse pseudônimo. Ficou famoso assim.
Netinho e Antonio Aguillar
Netinho recorda com Aguillar o início de tudo
O Guitarrista solo que foi integrado à banda era o Waldemar Mozena e como esse rapaz vinha de uma orquestra de Valparaiso e sempre estava sorrindo, para conseguir um apelido pra ele, chamei-o então de “RISONHO” e ficou assim até hoje. Os demais já tinham apelidos, Manito era o Antonio Rosas Sanches, o Neno era o Demerval Teixeira e o Mingo, Domingos Orlando.
Os ensaios do conjunto eram feitos na minha sala do 4º andar da Rua das Palmeiras, 322 e depois de um tempo, o Diogo Mulero, o Palmeira Diretor Artístico da Continental, mandou o Francisco Petrônio, que era o homem de sua confiança, para ver o ensaio do novo grupo musical. Depois de uma semana, THE CLEVERS foi convidado a assinar contrato com a gravadora Continental. Para esse ato, foi marcado no programa de TV do comunicador Enzo de Almeida Passos, que era na TV Tupi Canal 4, e por influencia do Manito, que era espanhol, The Clevers gravou um 78 rpm com a canção El Relicário, com arranjos do musico e maestro Poly.
Enzo de Almeida Passos foi o primeiro a tocar a música em seu programa “Telefone Pedindo Bis”, na Radio Bandeirantes, e eu no programa “Ritmos para a Juventude”, na Radio Nacional de S.Paulo. Dentro de poucos meses El Relicário era sucesso em todo o Brasil e a banda passou a gravar seu primeiro LP com o título Twist – Dai veio o 2º LP com o titulo “OS INCRIVEIS THE CLEVERS” e assim por diante.
Em 1964, Rita Pavone, contratada pela TV Record, veio ao Brasil fazer algumas apresentações artísticas no Teatro Record. Como eu tinha o programa Reino da Juventude nesse mesmo Teatro, tentei colocar a cantora em contato com meu conjunto musical, e para tanto achei por bem oferecer uma guitarra fabricada especialmente para ela, pela Giannini. Era uma guitarra dourada muito linda. Falei com Teddy Reno, empresário de Rita, sobre o presente mas ela teria que ir ao Reino da Juventude para recebê-lo. Ela gostou e ele aceitou só que impôs uma condição. Ela vai receber mas não pode cantar. E assim foi aceito. Porém, avisei o conjunto The Clevers para tocar “Datemi Un Martello” assim que ela pisasse no palco. E não deu outra, ela esqueceu que não poderia cantar, tamanho foi o seu entusiasmo pela banda, que acabou cantando e assim lavrei um tento, entregando a seguir a guitarra para a maior ídolo internacional daquela época.
Depois disso Rita Pavone me pediu o grupo para acompanhá-la com o seu pianista durante sua temporada no Teatro Record e assim foi feito; depois combinamos que a banda viajaria com ela numa turnê na Itália. Ela e o empresário Teddy Reno, que era o seu namorado na época, aceitaram a proposta e no momento de combinarmos o cache, disse-lhes que aceitaria levá-los para a Itália apenas pelas despesas, sem cache, desde que a Rita aceitasse uma jogada de marketing. Dizer que estava apaixonada pelo Netinho, baterista dos The Clevers, pois esse era o estopim para a grande vitória da banda. Depois dos detalhes combinados, a imprensa divulgou o fictício romance entre os dois e isso ajudou muito o grande sucesso internacional dos Clevers. Quando eles foram para a Itália, eu estava impedido de viajar porque tinha compromissos com a televisão em São Paulo. Como fui procurado pelo Brancato Jr. que desejava viajar com a banda e cuidar de tudo lá fora, acertei com esse empresário mas tive que criar uma nova banda aqui no Brasil, para ficar no lugar deles, enquanto viajavam. Eles concordaram que se lançasse a banda “The Flyers” e até tiraram fotos juntos no palco do Teatro Record , antes de viajarem.
Na época eu tinha acesso a todas as gravadoras, então fechei um contrato com a RCA Victor e eles, os Flyers, gravaram nessa gravadora um único LP, por que meses depois o grupo se desfazia em virtude de alguns problemas surgidos durante uma viagem que fizeram ao Uruguai. No LP intitulado “The Flyers”, eles gravaram Happy Birthday To You – Le Ciliege ( Dance with the ) Guitar Man – Werewolf – Canção do Amor Perdido – La Spagnola – Sul Cucuzzolo – Honky Tonk Song – Love Goodess of Venus – Twist and Shout – Il Surf Delle Mattoelle – Flyers Surf.
O conjunto era composto por Patinho, nas guitarras solo, Fafá, no contra baixo, Pulinho baterista, Pick Riverte, o “Lumumba”, saxofonista e Tico, guitarra base e vocalista. Esses quatro últimos já são falecidos. O Patinho sumiu, ninguém sabe de seu paradeiro.
Depois de certo tempo, colocaram empecilho na formação dos Flyers, com o argumento de que eu estaria promovendo uma nova banda e deixando The Clevers de lado. Esse foi um dos argumentos criados junto com o Brancato Jr. como desculpa para o rompimento dos negócios comigo, pois achavam que eu ganhava dinheiro sem fazer nenhum esforço e ainda tinha uma banda no Brasil dando dinheiro…
Era uma noite já tarde quando Mingo, Neno e Netinho foram até a minha residência e disseram: “VIEMOS ROMPER NEGÓCIOS COM VOCÊ…” O mundo caiu pra mim, que os tinha como filhos. No momento que iria desfrutar de todo aquele trabalho em favor da banda, que se tornara internacional, acabei ficando na mão. Naquele tempo não havia um contrato de trabalho entre as partes, pois tudo era feito de forma amadora, e eu não tinha como agir dentro da lei, a não ser reter a marca THE CLEVERS, que era registrada em meu nome pessoal, com a concordância de todos, como uma patente.
A mudança de nome da banda, de The Clevers para Os Incríveis, se deu na Itália em 1965.
Este foi o relato que Antonio Aguillar fez a mim, quando lhe perguntei sobre o motivo pelo qual ele não continuou com os programas de TV, tendo voltado ao jornalismo, como repórter do Jornal O Estado de São Paulo.
Não foi justo o que fizeram com Antonio Aguillar, porém hoje os tempos são outros, e os próprios meninos dos Clevers, hoje músicos de renome, reconheceram isso ainda em vida, como neste depoimento feito pelo Manito.
O músico Manito
No post sobre a banda The Flyers, aqui, há outros depoimentos dos integrantes dos Clevers.